A crescente tensão entre os Estados Unidos e o Brasil após a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro abriu espaço para uma medida inédita: a possível classificação do Primeiro Comando da Capital (PCC) como organização terrorista pelo governo americano. Essa possibilidade, embora ainda não confirmada, já é considerada uma ameaça real pelas autoridades brasileiras.
O Contexto Político e Jurídico
Além das tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e da sanção ao ministro Alexandre de Moraes sob a Lei Global Magnitsky, o governo Trump pode elevar o tom ao incluir o PCC e o Comando Vermelho (CV) na lista de organizações terroristas dos EUA. Essa medida, segundo a consultoria Eurasia Group, estaria diretamente ligada ao descontentamento com o julgamento de Bolsonaro no STF.
No entanto, especialistas afirmam que o debate sobre o PCC como organização terrorista já existe há algum tempo nos EUA. O professor Vitelio Brustolin, da Universidade Federal Fluminense, explica que o endurecimento da política externa americana em relação ao tráfico de drogas contribui para esse cenário:
“Podemos associar isso como uma sanção relacionada ao julgamento de Bolsonaro, mas também como uma medida que iria acontecer de qualquer forma, por conta das prioridades dos Estados Unidos”, afirma Brustolin.
Desafios Legais e Definições de Terrorismo
O governo brasileiro rejeitou formalmente a solicitação do Departamento de Estado americano para classificar o PCC como organização terrorista. O secretário nacional de Segurança Pública na época, Mário Sarrubbo, destacou que, segundo a Lei Antiterrorismo brasileira (Lei 13.260/2016), os atos terroristas precisam ter motivações ligadas a xenofobia, discriminação ou preconceito.
Portanto, mesmo diante de uma atuação violenta e organizada, o PCC busca lucro por meio de atividades criminosas, o que, sob a ótica jurídica brasileira, não se enquadra como terrorismo:
- Motivações econômicas, não ideológicas;
- Ausência de objetivos políticos ou religiosos;
- Atuação focada em tráfico de drogas, armas e crimes financeiros.
Essa diferença interpretativa entre os dois países gera resistência à classificação por parte do Brasil, que vê nela uma potencial ingerência em sua soberania.
Implicações Econômicas e Financeiras
Se os EUA oficializarem o PCC como organização terrorista, os impactos econômicos serão significativos. Instituições financeiras brasileiras com vínculos, mesmo indiretos, ao grupo poderão enfrentar severas restrições:
- Limitação de transações em dólares;
- Sanções secundárias a empresas estrangeiras que negociarem com entidades ligadas ao PCC;
- Investigações e bloqueios de ativos em parceria com órgãos internacionais.
Christopher Garman, da consultoria Eurasia, ressalta que a simples listagem pode gerar um “passivo jurídico” para empresas brasileiras:
“É claro que o governo brasileiro está combatendo o crime organizado, mas só a listagem de uma instituição que está fazendo negócios com o crime já pode ter implicações reputacionais”, afirma.
Repercussão Política e Diplomática
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já se posicionou contra a presença militar dos EUA no Caribe, chamando-a de “fator de tensão incompatível com a vocação pacífica da região”. Além disso, Lula alertou que o conceito de terrorismo não deve ser confundido com desafios da segurança pública:
“São fenômenos distintos e que não devem servir de desculpa para intervenções à margem do direito internacional”, declarou o presidente.
Portanto, a possível classificação do PCC como organização terrorista não apenas afeta relações diplomáticas, mas também levanta questões sobre a soberania nacional e a autonomia do Brasil em conduzir suas próprias políticas de segurança.
Conclusão
A possibilidade de os Estados Unidos classificarem o PCC como organização terrorista representa um ponto crítico nas relações entre os dois países. Embora a motivação possa estar ligada ao caso Bolsonaro, os impactos são mais amplos, afetando o sistema financeiro brasileiro, a imagem internacional de empresas nacionais e a soberania do Estado.
Enquanto o Brasil mantém sua postura de combater o crime organizado internamente, os desdobramentos dessa possível decisão dos EUA ainda são imprevisíveis.