O governo argentino, liderado por Javier Milei, realizou uma intervenção cambial inédita desde a adoção do regime flutuante em abril. Na quarta-feira (17), o Banco Central da Argentina (BCRA) vendeu US$ 53 milhões para conter a valorização do dólar frente ao peso argentino, em meio à crescente demanda pela moeda americana.
Motivos da intervenção cambial
Essa intervenção cambial ocorre em um contexto de instabilidade econômica. Desde abril, o peso enfrenta uma desvalorização acentuada, pressionado pela alta demanda por dólares. Para tentar conter essa pressão, o Tesouro Nacional passou a atuar diretamente no mercado, comprando e vendendo dólares, garantindo maior liquidez e evitando movimentos bruscos.
Além disso, a cotação do dólar no atacado atingiu 1.474,50 pesos, limite máximo da banda cambial estabelecida pelo governo. No varejo, o valor chegou a 1.490 pesos em alguns bancos. Segundo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), ultrapassado esse patamar, o BCRA pode intervir diretamente com a venda de reservas.
Queda das reservas internacionais
Com a venda realizada, as reservas internacionais da Argentina caíram em US$ 98 milhões, totalizando US$ 3,977 bilhões. Essa redução demonstra a fragilidade das reservas, que já haviam sido impactadas anteriormente, chegando a níveis negativos de aproximadamente US$ 7 bilhões após o fim das restrições cambiais em abril.
Portanto, o governo enfrenta um ciclo vicioso: com poucas reservas, sua capacidade de intervenção cambial diminui, o que agrava ainda mais a desvalorização do peso. Esse cenário pressiona os preços, já que a valorização do dólar encarece as importações e alimenta a inflação — um fator crítico para manutenção do apoio popular ao governo Milei.
Mudança de postura liberal
A decisão de intervir surpreendeu o mercado, principalmente por vir de um governo de agenda ultraliberal. Em abril, o governo havia comemorado o fim do “cepo” (restrições à compra de dólares), medida que, embora bem recebida pelo setor privado, enfraqueceu ainda mais o peso argentino.
No entanto, Carlos Henrique, diretor da Frente Corretora, afirma que a intervenção cambial foi inevitável. Ele destaca que o governo já vinha tentando conter a volatilidade com aumento da taxa de juros e restrições bancárias, mas a pressão sobre o peso exigiu uma ação direta.
“Ao intervir, o governo abandona temporariamente a ideia de que o mercado deve se autorregular e assume um papel de controle, característico de políticas mais heterodoxas”, afirma Henrique.
Contexto político e eleitoral
Além dos desafios econômicos, o governo Milei enfrenta uma crise política que impacta diretamente a economia. Um escândalo envolvendo a irmã do presidente, Karina Milei, abalou a reputação do governo. Segundo acusações de um ex-aliado, ela teria exigido propina de empresas farmacêuticas.
Esses escândalos contribuem para a perda de confiança dos investidores, o que reduz a entrada de dólares no país. Em outras palavras, com menos recursos externos, a demanda por dólares aumenta, desvalorizando ainda mais o peso.
Paralelamente, o governo foi derrotado nas eleições provinciais de Buenos Aires, em setembro. Com quase 40% dos eleitores argentinos, a província é estratégica, e a derrota de 13,6 pontos percentuais para o Peronismo foi considerada uma derrota significativa.
Essa instabilidade política intensifica a desvalorização da moeda, forçando o governo a tomar medidas emergenciais, como a recente intervenção cambial. Diante disso, a economia argentina permanece em um cenário de fragilidade e incerteza.
