O arquipélago de Tristão da Cunha, localizado no Atlântico Sul, é reconhecido como o lugar habitado mais remoto da Terra. Situado a cerca de 2.400 quilômetros da ilha de Santa Helena, esse território britânico abriga pouco mais de 200 pessoas, todas dependentes de um único recurso natural: a lagosta-de-são-paulo.
A base econômica de Tristão da Cunha
A pesca da lagosta-de-são-paulo (Jasus paulensis) é a principal fonte de renda da ilha. Este crustáceo, apreciado por sua carne doce e delicada, alcança preços elevados em mercados internacionais, como Estados Unidos, Reino Unido e Japão. Uma única cauda pode valer até US$ 39, o que transforma cada captura em uma operação de alta importância econômica.
No entanto, os pescadores de Tristão da Cunha enfrentam uma janela de apenas 18 a 72 dias por temporada para operar. Portanto, cada oportunidade é extremamente valiosa e deve ser planejada com rigor.
Desafios históricos e sustentabilidade
Antigamente, a pesca não era regulamentada. Isso levou à captura de lagostas jovens e fêmeas grávidas, reduzindo drasticamente os estoques. A partir de 1983, o Conselho da Ilha instituiu limites de tamanho, e, em 1991, foram criadas cotas de captura. No entanto, essas medidas só foram aplicadas de fato a partir de 1997.
Hoje, os pescadores utilizam armadilhas e redes específicas para capturar as lagostas sem prejudicar a reprodução da espécie. Além disso, o Departamento de Pesca realiza medições diárias, marcação de animais e monitoramento com câmeras submarinas.
Área Marinha Protegida e conservação
Tristão da Cunha é cercado pela quinta maior Área Marinha Protegida (AMP) do mundo, com 687 mil quilômetros quadrados. Nesta zona, 91% das águas estão totalmente vedadas à pesca comercial. O restante opera sob cotas rigorosas e fiscalização constante.
Essa estrutura foi desenvolvida com base no conhecimento local e em parcerias com cientistas e organizações ambientais. O projeto foi adotado em 2019 e visa equilibrar conservação e subsistência.
Monitoramento e desafios de fiscalização
Apesar da proteção legal, fiscalizar uma área de quase 700 mil km² é um grande desafio. Tristão da Cunha não possui guarda costeira própria, nem aeroporto. A ilha depende de tecnologia de satélite e da Organização de Gestão Marítima do Reino Unido (MMO) para rastrear embarcações suspeitas.
Quando um navio desliga o Sistema de Identificação Automática (AIS) ou se comporta de forma irregular, alertas são emitidos. No entanto, a ilha carece de meios para interceptar violadores fisicamente.
Impactos ambientais e pressões externas
Ao longo dos anos, Tristão da Cunha enfrentou diversos desastres ambientais. Em 2006, a plataforma de petróleo PXXI encalhou na ilha, introduzindo espécies invasoras como o marimbá. Em 2011, o navio MS Oliva derramou combustível e soja, matando milhares de pinguins.
Esses eventos reforçam a vulnerabilidade do ecossistema marinho, mesmo em uma região tão remota. Pesquisas recentes indicam que as mudanças climáticas também ameaçam a sobrevivência das lagostas, ao alterar o crescimento das algas e deslocar os crustáceos para latitudes mais ao sul.
Pesca e cultura local
A pesca não é apenas uma atividade econômica em Tristão da Cunha; ela é parte da cultura e da identidade da comunidade. Famílias transmitem técnicas de pesca de geração em geração. A conexão com o mar é tão profunda que até os rituais religiosos locais incorporam elementos da vida marinha.
Durante o “Domingo do Mar”, realizado antes do início da temporada de pesca, a igreja anglicana é adornada com redes e armadilhas, enquanto a comunidade reza pela segurança dos pescadores.
O futuro da ilha
Os moradores de Tristão da Cunha estão cientes de que sua sobrevivência depende diretamente da saúde dos oceanos. Eles combinam práticas tradicionais com inovação científica para garantir que as futuras gerações possam continuar se beneficiando da lagosta-de-são-paulo.
A ilha demonstra que, mesmo em um dos cantos mais remotos do planeta, é possível unir conservação ambiental e desenvolvimento econômico. Mas para isso, colaboração internacional e investimentos em fiscalização são essenciais.
