De acordo com Branko Milanovic, um dos maiores especialistas mundiais em desigualdade de renda, o Brasil se destaca na América Latina por reduzir significativamente a desigualdade nos últimos 20 anos. Esse movimento contrasta com a tendência de aumento da desigualdade em outras regiões do mundo. No entanto, o país ainda enfrenta um dos índices mais elevados de desigualdade global, mesmo após décadas de esforços de redistribuição de renda.
Reforma tributária e impacto na desigualdade
Atualmente, o Brasil discute uma reforma do Imposto de Renda que pode alterar profundamente a estrutura de tributação no país. A proposta visa isentar 90% da população de baixa renda, ampliando a faixa de isenção para R$ 5 mil, enquanto impõe uma alíquota progressiva de até 10% sobre quem ganha mais de R$ 600 mil por ano. Além disso, o projeto prevê a taxação de dividendos e lucros distribuídos por empresas a acionistas com renda acima de R$ 50 mil mensais, inclusive para o exterior.
Segundo Milanovic, “não há qualquer dúvida de que a reforma reduziria a desigualdade”. No entanto, o economista ressalta o debate em torno de possíveis efeitos negativos, como a fuga de capital, e pondera que o impacto real da reforma depende de sua implementação efetiva. Portanto, mesmo que a proposta seja aprovada, a resistência do setor empresarial e de altos rendimentos pode limitar seu alcance.
Desigualdade de renda e a América Latina
Embora a América Latina continue sendo considerada uma das regiões mais desiguais do mundo, países como Brasil, México, Chile e Peru registraram reduções notáveis de desigualdade nas últimas duas décadas. No caso do Brasil, o coeficiente de Gini — que mede de 0 a 100 a desigualdade de renda, sendo 100 a desigualdade máxima — caiu de 60 para cerca de 48. Ainda assim, esse índice permanece alto.
Essa redução de desigualdade ocorreu devido a políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e também a fatores econômicos, como o crescimento de renda da classe média. Além disso, o economista afirma que a redução de desigualdade começou ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, embora tenha sido aprofundada durante o governo Lula da Silva. Portanto, o movimento de redistribuição de renda no Brasil não é apenas uma questão política, mas também estrutural.
Classe e elite: aspectos esquecidos da desigualdade
Em seu livro Visões da desigualdade: da Revolução Francesa até o fim da Guerra Fria, Milanovic analisa como o estudo da desigualdade de renda deixou de focar a estrutura de classes, especialmente durante a Guerra Fria, quando os EUA tentaram negar a existência de classes sociais. Além disso, o financiamento de pesquisas por elites abastadas, e a evolução da economia neoclássica, contribuíram para esse desvio de foco.
Consequentemente, a visão de classes foi abandonada, assim como a análise da elite dominante. No entanto, o economista alerta que a elite global, especialmente de países asiáticos, está se reconfigurando de forma significativa. A exemplo, a emergência de uma nova elite chinesa, devido ao tamanho de sua população, impacta diretamente na ordem global de renda. Em seu novo livro, The Great Global Transformation, Milanovic discute como essa reconfiguração de poder influenciou eventos como a eleição de Donald Trump e a instabilidade política na Europa.
Trump e a nova era de desigualdade global
Milanovic classifica Trump como um “neoliberal otimista”, pois, embora tenha adotado medidas protecionistas, internamente ele segue uma agenda de desregulamentação de mercados, redução de impostos e favorecimento de capital, alinhando-se com a visão neoliberal de mercado interno. No entanto, o economista afirma que a política externa de Trump é de cunho mercantilista, rompendo com o tradicional liberalismo de livre mercado.
Essa abordagem de “neoliberalismo de mercado nacional” implica a manutenção de políticas de mercado livre dentro dos EUA, enquanto se impõem tarifas elevadas a países pobres, como o Brasil e a Índia. Embora essas tarifas impactem países de forma imediata, Milanovic destaca que elas são instáveis e podem mudar de acordo com os interesses políticos e econômicos. Portanto, a longo prazo, a desigualdade global é mais influenciada por transformações de poder econômico, como o crescimento de países asiáticos, do que por políticas protecionistas.
 
				