Ciberescravos: brasileiros vítimas de tráfico humano em Mianmar denunciam golpes e torturas

Brasileiros vítimas de ciberescravos em Mianmar relatam torturas e golpes cibernéticos. Saiba como escaparam e como evitar se tornar vítima de tráfico de pessoas.

Um novo capítulo da trágica história dos ciberescravos está sendo revelado, com brasileiros presos em Mianmar e submetidos a condições desumanas por mafias que operam centros de golpes cibernéticos. Phelipe de Moura Ferreira, de 26 anos, identificou um dos líderes de sua prisão entre os condenados pela China por crimes de tráfico de pessoas e exploração de vítimas em campos de trabalho forçado. Esse reconhecimento é um marco na luta por justiça e um alerta sobre os riscos de promessas falsas de emprego no exterior.

Phelipe e Luckas, vítimas da “fábrica de golpes”

Phelipe de Moura Ferreira e Luckas Viana dos Santos foram enganados por promessas de emprego na Tailândia em 2024, mas acabaram escravizados em KK Park, em Mianmar — um local conhecido como “fábrica de golpes”. O cativeiro de Phelipe durou três meses, e Luckas, que também foi levado de forma ilícita após a falência de um cassino nas Filipinas, passou pelo mesmo regime degradante. Ambos eram obrigados a aplicar golpes pela internet em brasileiros e outras vítimas internacionais. Além disso, eram submetidos a jornadas de 16 a 22 horas de trabalho, sob constante vigilância de líderes chineses.



Rotina de extorsão e punições cruéis

Segundo Phelipe, o roteiro de golpe era sistematizado. No início do contato, a vítima recebia informações falsas de um “trabalhador” e, poucos dias depois, era convidada a fazer recargas. Era nesse momento que as vítimas eram extorquidas. “A primeira recarga era de 150 dólares, a segunda de 500 dólares, até completar 5 mil dólares. Era horrível”, relatou.

Além disso, a pressão por metas de lucro era brutal. Caso não cumprissem a cota de golpes, a punição vinha na forma de eletrochoque, espancamento ou squat down (agachamentos). Phelipe contou que sofreu três sessões de agachamento, com os pés sobre uma plataforma com pregos. Na terceira vez, foram 500 agachamentos, deixando suas pernas inutilizadas. Mesmo assim, ele tinha que continuar trabalhando. “Meu maior medo era levar choque. Eu sabia que podia matar a pessoa”, disse.

Reconhecimento do chefe em tribunal chinês

Uma recente condenação de um tribunal chinês deu nova esperança às vítimas. Trinta e nove membros da família Ming foram condenados, sendo 11 à pena de morte, por operar centros de fraude e tráfico de pessoas em Mianmar, incluindo o KK Park. Phelipe reconheceu o chefe do complexo onde esteve preso entre os condenados. “Isso não é só uma notícia, é um marco na busca por Justiça. A voz dos sobreviventes não se cala”, afirmou.



Porém, ele ressalta que ainda há muitas vítimas em cativeiro, e o combate ao sistema de ciberescravos está longe de acabar. “É uma sensação de alívio, mas, ao mesmo tempo, uma sensação de desespero, pois eles perderam nem metade da máfia. No mesmo complexo que eu e Luckas estávamos ainda existem pessoas lá.”

Operação de resgate e retorno ao Brasil

Após meses de cativeiro, Phelipe e Luckas, juntamente com centenas de outras vítimas, conseguiram fugir no dia 8 de fevereiro de 2025. A operação de resgate envolveu a ONG internacional The Exodus Road, que auxiliou na documentação e no apoio junto às autoridades de Mianmar e Tailândia. Os dois brasileiros foram detidos temporariamente pelo Exército Democrático Karen Budista (DKBA) e, em seguida, transferidos para um centro de detenção em Mae Sot, na Tailândia, onde foi comprovado seu status de vítimas de tráfico humano.

Em 15 de janeiro, uma reunião entre representantes de ONGs e governos locais resultou na liberação de 371 vítimas de tráfico de pessoas. A embaixada brasileira os resgatou da Tailândia e os levou para Bangkok, de onde seguiram para o Brasil. Ao retornarem, os dois relataram ao g1 os horrores vividos, incluindo agressões, torturas, e a constante ameaça de morte. “Eles batiam na gente quase todos os dias. Sofremos bastante. Tem amigos que ainda estão lá”, disse Luckas.

Como evitar se tornar vítima de ciberescravos

Esse caso serve como um alerta de como promessas de emprego no exterior, especialmente via redes sociais, podem ser armadilhas. Para evitar se tornar alvo de tráfico de pessoas, a população deve:

  • Desconfiar de vagas de emprego com salários muito altos e sem exigências de experiência;
  • Evitar aceitar oportunidades de trabalho de pessoas desconhecidas, mesmo que com recomendações;
  • Verificar a autenticidade de empresas e contatos;
  • Consultar órgãos oficiais, como a Embaixada do Brasil, antes de viajar;
  • Manter contato constante com familiares e amigos sobre seus deslocamentos.

Em conclusão

O caso de Phelipe e Luckas revela a extensão da crise de segurança cibernética e de direitos humanos nos centros de golpe em Mianmar. Embora alguns criminosos tenham sido punidos, a luta contra o tráfico de ciberescravos é contínua. É fundamental que governos, ONGs, empresas e a sociedade civil se mobilizem para proteger jovens vulneráveis e conscientizar sobre os perigos de ciberataques disfarçados de oportunidades de vida. As vozes das vítimas não devem ser caladas, e cada relato de sobrevivente é uma peça essencial nessa luta por justiça e direitos humanos.