Trump e as ‘interpretações exóticas’: Resgate de leis antigas para atacar inimigos

Introdução: O padrão de resgate de leis antigas

Na atualidade, o governo dos Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, tem demonstrado uma tendência preocupante de utilizar leis datadas e aplicar interpretações exóticas para perseguir adversários políticos e inimigos internacionais. Esse padrão, documentado amplamente ao longo do segundo mandato do magnate americano, constitui uma ferramenta sofisticada de poder que foge das práticas normais de governança. A aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes recentemente exemplificou esse comportamento, utilizando uma legislação originalmente reservada para casos de assassinato e genocídio em um contexto político brasileiro.

Esta estratégia não é isolada. Multiplicidade de exemplos ao longo dos últimos meses mostra que o governo Trump recorre a um arcabouço legal diversificado para alcançar seus objetivos políticos. O termo ‘interpretações exóticas’ tornou-se, assim, uma marca registrada de sua abordagem autoritária. Neste artigo, vamos analisar em detalhes as quatro principais leis utilizadas por este governo, destacando como o resgate dessas legislações históricas forma parte de uma estratégia mais ampla de intimidar e neutralizar oponentes.

1. A Lei Magnitsky: Instrumento de punição para crimes graves

A Lei Magnitsky, nomeada em homenagem ao advogado russo Sergei Magnitsky, que faleceu em prisão após denunciar corrupção na Rússia, foi assinada pelo então presidente Barack Obama em 2012. Originalmente projetada para combater assassinatos e violações de direitos humanos, a lei foi ampliada em 2016 para incluir corrupção e outras infrações graves, com alcance global.

No entanto, a aplicação recente contra Alexandre de Moraes levanta sérias questões sobre o uso abusivo de tais instrumentos legais. Carlos Portugal Gouvêia, professor de Direito Comercial da USP, pontua que a lei exige ‘embasamento em investigações por instituições e ONGs sérias’. A situação do ministro brasileiro, segundo especialistas ouvidos, não atende a esse requisito, configurando uma interpretação exótica que foge do seu propósito original.

Além disso, a escolha da Lei Magnitsky para um contexto político doméstico demonstra uma flexibilidade legal sem precedentes. Esse ato não apenas desrespeita a soberania brasileira, mas também questiona a aplicação precisa dessas leis internacionais. O governo americano, ao utilizar a legislação para congelar bens no Brasil, amplia artificialmente a sua competência territorial.

2. A Lei de Inimigos Estrangeiros: Um retorno ao século XIX

A Lei de Inimigos Estrangeiros, estabelecida em 1798 durante as hostilidades com a França, representa outro exemplo do resgate de instrumentos legais obsoletos. Esta lei, inicialmente projetada para expulsar invasores em tempos de guerra, foi utilizada em conflitos históricos como a Guerra da 1812 e as Grandes Guerras.

No século XXI, o governo Trump invocou essa legislação para deportar mais de 100 venezuelanos, acusados de pertencerem a uma suposta organização criminosa, sem a devida prova. Esta ação, realizada em colaboração com o governo de El Salvador, um aliado de Trump, mostra como o governo federal americano pode desregulamentar o sistema legal para perseguir grupos políticos ou étnicos específicos.

Segundo Flavio de Leão Bastos, professor de direito constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ‘Essas leis antigas… não estão de acordo com o sistema de direito internacional’. O retorno dessas leis ao ativismo político contemporâneo configura uma violação grave do princípio de Estado de Direito, permitindo expulsões sem julgamento e baseando-se em acusações frágeis.

3. A Seção 301: Tarifas políticas e protecionismo agressivo

A Seção 301, parte da Lei de Comércio de 1974, representa um terceiro instrumento no arsenal de interpretações exóticas utilizadas por Washington. Esta seção permite ao governo americano impor tarifas sobre produtos importados que considera prejudiciais ao interesse nacional, quando há ‘resultados comerciais injustos’ ou violações de direitos de propriedade intelectual.

O governo Trump iniciou, em julho de 2025, uma investigação contra práticas comerciais brasileiras utilizando essa legislação. Os alvos incluem desde o sistema PIX (pago digital brasileiro) até o desmatamento e o comércio na Rua 25 de Março, em São Paulo. Esta abordagem, segundo Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior, é incomum: ‘A abordagem sobre o Brasil é bem incomum… parece ter motivação política’.

A Seção 301, que foi usada intensamente durante os governos de Reagan, foi abandonada gradualmente a partir dos anos 90 em favor de mecanismos multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC). O ressurgimento desse instrumento sob a atual administração americana marca uma volta aos métodos protecionistas e políticos, colocando o Brasil em uma posição defensiva desnecessária para os interesses comerciais do país.

4. A Lei da Insurreição: Instrumento de poder executivo abusivo

Finalmente, a Lei da Insurreição de 1807, um dos textos mais antigos do arcabouço legal americano, foi novamente invocada por Trump. Esta lei, originária dos tempos da Guerra da Independência, permite ao governo federal utilizar o Exército dos Estados Unidos para reprimir insurreições, definidas como ‘atos de rebelião contra o governo’.

Em junho de 2025, Trump ameaçou usar essa legislação para enfrentar manifestações em Los Angeles, enviando cerca de 700 fuzileiros navais para proteger propriedades federais. Esta ação demonstra como o governo Trump explora leis históricas para intimidar manifestantes e controlar espaços públicos, independentemente da existência de ameaça real à ordem constitucional.

A última vez em que a Lei da Insurreição foi aplicada foi em 1992, durante os protestos pós-julgamento de Rodney King. A reativação desta ferramenta legal no contexto contemporâneo representa uma ameaça ao direito de assembleia e expressão, com potencial para ser utilizada indiscriminadamente contra qualquer manifestação política que o governo considerar inconformista. Esta é mais uma prova do padrão identificado: o uso de leis antigas com interpretações exóticas para neutralizar críticas e oposição.

Conclusão: Um padrão autoritário e seus riscos

O conjunto desses quatro exemplos, e outros que podem vir a público, revela um padrão claro de governança baseado no resgate de leis históricas e na aplicação de interpretações exóticas que extrapolam os limites do Estado de Direito. Cada um desses casos demonstra uma tendência a instrumentalizar o direito para fins políticos, frequentemente desrespeitando a soberania nacional e as instituições legais.

O retorno dessas leis, muitas com origens no século XVIII e XIX, para o cenário político contemporâneo dos Estados Unidos e sua aplicação contra entidades e indivíduos de outros países, como está acontecendo com o ministro Alexandre de Moraes, representa uma ameaça internacional ao multilateralismo e ao sistema jurídico global. Este é um alerta importante sobre os riscos do uso político do direito e da interferência estrangeira na ordem jurídica de nações soberanas.

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