Introdução: O Desafio do BRICS
O atual governo americano, liderado por Donald Trump, demonstra uma hostilidade inédita em relação ao bloco BRICS. Mais que simples divergências comerciais, a postura de Trump é marcada por acusações de conspiração e de ameaça à hegemonia norte-americana. Este artigo analisa as principais razões dessa hostilidade, a natureza do BRICS e as potenciais consequências para o cenário internacional.
Percepção de Trump: BRICS como Ameaça Existencial
Em seu discurso público, Donald Trump frequentemente retrata o BRICS como um grupo de nações com intenções antiamericanas. Durante a imposição de tarifas de 25% sobre produtos indianos, o presidente americano explicitamente vinculou a participação do Índia no BRICS à decisão, qualificando-o de “grupo de países que são anti-Estados Unidos” (Trump, 2024).
Além disso, o chefe de Estado americano ameaçou impor sanções a todos os membros do BRICS e já havia declarado anteriormente que qualquer país aderido “às políticas antiamericanas do BRICS” enfrentaria tarifas adicionais de 10% (Trump, 2024). Para Trump, o BRICS representa uma significativa ameaça ao status quo de Washington, especialmente à posição central do dólar nos sistemas financeiros globais.
O BRICS: Uma Alternativa Global em Formação
O BRICS, atualmente composto por Brasil, Rússia, Índia, China, e África do Sul (com outros países tendo aderido recentemente), é mais do que uma simples aliança regional. Representa cerca de metade da população mundial e 40% da riqueza global, tornando-se um poderoso ator geopolítico e econômico (Fernandez, 2024).
Segundo Marta Fernandez, professora de Relações Internacionais da PUC-Rio e diretora do BRICS Policy Center, o bloco é visto por Trump como uma força anti-hegemônica:
“O BRICS tem demonstrado um compromisso com uma ordem multipolar e mais descentralizada, tanto em termos políticos, quanto financeiros e monetários. E isso desafia a hegemonia que os Estados Unidos vêm desfrutando desde o pós-Segunda Guerra Mundial.” (Fernandez, 2024)
Desafios ao Sistema Capitalista Mundial
O BRICS não apenas busca promover alternativas econômicas, como também desafia diretamente a estruturação do sistema internacional dominada pelos Estados Unidos. Uma das principais áreas de conflito é a reforma dos organismos internacionais:
- Reforma do FMI e do Banco Mundial: O bloco defende maior representação para países em desenvolvimento nessas instituições, questionando a lógica de governança atual.
- Novo Banco de Desenvolvimento (NDB): Criado pelos membros do BRICS, o NDB oferece crédito alternativo aos países membros, reduzindo a dependência das finanças americanas.
Além disso, o movimento em direção a moedas-alternativas ao dólar e o fortalecimento do RMB chinês no comércio internacional representam outro front de confronto com a hegemonia norte-americana (Leite, 2024).
Consequências Práticas: Tarifas, Sanções e Coesão do Bloco
As intenções declaradas de Trump encontraram expressão concreta na política tarifária agressiva adotada nos últimos meses:
- O Brasil recebeu tarifas de 50%, enquanto outros membros receberam alíquotas variando de 10% a 30%.
- As tarifas foram usadas como ferramenta geopolítica, com justificativas que misturam déficits comerciais e até mesmo questões processuais domésticas (como o caso do ex-presidente Bolsonaro).
Lucas Leite, da Faap, analisa que embora a participação no BRICS possa ter influenciado a decisão tarifária, isso não foi o único fator:
“Na prática, essas taxações têm sido utilizadas por Trump enquanto mecanismo geopolítico, de chantagem, de dominação e de controle de mercados.” (Leite, 2024)
No entanto, a resposta do BRICS parece estar sendo, paradoxalmente, fortalecedora:
- Cooperativismo Aumentado: A crise criada por Washington pode estar acelerando a integração do bloco.
- Atração de Novos Membros: Países como Egito, Etiópia e Indonésia reforçam a base do BRICS, diluindo o impacto das sanções americanas.
- Desafio à Hegeonomia: A postura unida do BRICS diante das ameaças americanas reforça sua natureza como um espaço de resistência a uma ordem unipolar.
Futuro do BRICS e as Relações Mundiais
O confronto entre Washington e o BRICS não parece mostrar sinais claros de mitigação. A escalada protecionista americana pode acelerar o processo de descentralização do sistema econômico global, embora os desafios de integração do BRICS permaneçam significativos.
Como observado por Fernandez, a crise atual pode até mesmo fortalecer a coesão interna do BRICS a longo prazo:
“Tudo que Trump tem feito acelera a coesão do grupo e a adição de novos atores… [Isso] acelera uma ‘decadência relativa’ dos EUA.” (Leite, 2024)
O desempenho do BRICS frente às sanções americanas será determinante para definir o futuro da geopolítica global. O bloco continua discutindo planos para estabelecer sua própria plataforma de pagamentos e até mesmo uma moeda própria, o que reforça sua potencial como uma verdadeira alternativa aos sistemas capitalistas dominados por Washington.