O Estado brasileiro pediu desculpas perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) por violações de direitos humanos relacionadas à morte de 96 bebês em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, entre 1996 e 1997. O evento ocorreu durante a audiência de julgamento do caso “Mães de Cabo Frio vs. Brasil”, em Assunção, no Paraguai, e marcou um momento histórico de responsabilização internacional.
Contexto do caso e reconhecimento de falhas
As mortes ocorreram na UTI neonatal da Clínica Pediátrica da Região dos Lagos (Clipel), em Cabo Frio, onde bebês recém-nascidos foram vítimas de infecções hospitalares devido a práticas de saúde inadequadas. A representante da União, advogada Ílina Pontes, da Procuradoria Nacional da União de Assuntos Internacionais, reconheceu a omissão estatal na fiscalização de clínicas conveniadas. Além disso, ela afirmou que a clínica operava sem as devidas autorizações. “Essa omissão representa uma violação da obrigação estatal de garantir a proteção das crianças, sobretudo as que se encontram em instalações hospitalares, ainda que privadas”, declarou.
Portanto, o Estado brasileiro assumiu a responsabilidade por falhas graves de supervisão, agravadas por manifestações de autoridades de saúde consideradas discriminatórias durante a apuração. “O Estado brasileiro pede, de maneira solene, desculpas às Mães de Cabo Frio e aos seus familiares”, completou Pontes.
Violações de garantias e posicionamento da AGU
Além de reconhecer a omissão de proteção, a Advocacia-Geral da União (AGU) sustentou que o Estado adotou as medidas legais cabíveis, como investigações e ações penais. No entanto, os investigados foram absolvidos pela Justiça em 2003, decisão mantida em instâncias superiores. A AGU destacou que as garantias judiciais foram devidamente oferecidas, mesmo diante de críticas ao fracasso das investigações.
Apesar disso, a AGU reconheceu que parte das violações ocorreu antes da entrada em vigor da jurisdição contenciosa da Corte IDH para o Brasil, em 10 de dezembro de 1998, sem efeito retroativo. Isso impacta diretamente na análise de responsabilidade legal internacional.
Demanda e decisões anteriores
Em 2000, a denúncia foi encaminhada ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) admitiu o caso em 2008 e, em 2022, concluiu em seu relatório de mérito que o Brasil violou direitos à vida, à saúde, à infância e à proteção judicial. A Corte IDH, por sua vez, começou a julgamento em 2024, após o caso ter sido submetido formalmente.
Se condenado, o Brasil poderá ser obrigado a pagar indenizações, oferecer assistência psicológica, reabrir investigações e adotar medidas para evitar novas tragédias semelhantes em UTIs neonatais.
Depoimentos de familiares
Durante a audiência, mães e familiares relataram as consequências emocionais de perder seus bebês. Helena Gonçalves dos Santos, que perdeu a filha em 1996, declarou: “Queríamos estar amamentando e esse direito foi tirado da gente. Não nos deixaram ser mães. Até hoje, ninguém nunca nos ofereceu suporte, ninguém nunca tratou nosso caso. O que a gente queria era ter nossos filhos aqui.”
O pai argentino César Alejandro Nicolas Eboli, cujo bebê também faleceu, relatou que o antibiótico administrado foi equivocado, resultando na infecção fatal de seu filho. “Nosso filho morreu na nossa frente. Chamamos um amigo médico neonatal, que disse que nosso filho tinha sido internado na UTI desnecessariamente”, destacou.
Impacto institucional e fiscalização de saúde
Para a advogada Daniela Fichino, que representa as mães, o caso expõe a ausência de supervisão estatal em serviços de saúde conveniados. “O que o caso ‘Mães de Cabo Frio’ mostra é que a ausência de supervisão estatal em serviços conveniados mata”, afirmou a representante.
Na época, a Clínica Pediátrica da Região dos Lagos (Clipel) atendia pacientes do Hospital Santa Isabel, onde os recém-nascidos eram encaminhados diretamente para a UTI, sem retorno aos berços de suas casas. Essa realidade evidencia a vulnerabilidade de políticas de saúde pública frente à falta de fiscalização.
Conclusão
O julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos representa um marco de accountability para o Estado brasileiro. Além disso, ele ressalta a importância de políticas de saúde rigorosas, fiscalização efetiva e reparação de violações de direitos humanos. Em conclusão, a condenação, caso ocorra, pode impulsionar a reformulação de práticas de controle sanitário, principalmente em redes privadas de saúde que atendem ao SUS.
- Reconhecimento de falhas estatais
- Reparação de violações de direitos humanos
- Responsabilização de serviços de saúde conveniados
- Impacto de políticas de fiscalização pública
- Julgamento de casos históricos de violação de direitos
