Etiopian Airlines Flight 961: Um Incidente de Sequestro que Definiu a Segurança Aérea
Em 23 de novembro de 1996, o voo Ethiopian Airlines 961 tornou-se o centro de uma crise sem precedentes. Com três passageiros armados no cockpit, o piloto Leul Abate enfrentou uma situação de vida ou morte, lutarindo contra criminosos que exigiam levar o avião para a Austrália, impossibilitada de tal movimento pela falta de combustível.
O episódio marcou não apenas pela ousadia dos sequestradores, mas também pela heroica resposta do comandante etíope, que, mesmo sob ameaça constante, manteve o controle da aeronave e conseguiu pousar com segurança nas ilhas Comores. Este incidente, conhecido como Ethiopian Airlines Flight 961, foi um dos poucos casos de sequestro que terminou com a sobrevivência de todos os ocupantes do avião.
O Começo da Tragédia: Um Voo Comum com um Desfecho Inesperado
O Boeing 767-200ER da Ethiopian Airlines, com registro ET-AIZ, saiu de Adis Abeba com destino a Nairobi, na expectativa de cumprir uma rota que o levaria a outros pontos da África. Cerca de 20 minutos após a decolagem, três homens se levantaram e invadiram a cabine dos pilotos, anuciando o sequestro da aeronave.
Os criminosos revelaram ser um grupo de três indivíduos (não os 11 que inicialmente ameaçaram detonar uma bomba), que se apresentavam como ex-detentos fugitivos. Eles ameaçaram a tripulação com um extintor de incêndio e um machado, restringindo o acesso à cabine de comando.
Leul Abate, com 42 anos, já enfrentara sequestros anteriores em 1992 e 1995, sempre com bom-senso e capacidade de negociação. Dessa vez, a situação era diferente. Yonas Mekuria, o copiloto de 34 anos, foi brutalmente agredido e arrastado para fora da cabine, enquanto o machado permanecia apontado contra o pescoço de Abate.
Uma Exigência Impossível: A Austrália, o Oceano Índico e a Falta de Combustível
O líder do grupo, mostrando uma insolência chocante, exigiu que a aeronave fosse levada até a Austrália. Abate, com conhecimento técnico profundo, explicou inequivocamente que a quantidade de combustível disponível, calculada para voar até Nairobi com um pequeno buffer, era insuficiente para tal jornada.
O Boeing 767-200ER, mesmo com tanques completamente cheios, não teria alcance suficiente para cruzar o Oceano Índico sem escalas. Abate tentou negociação, sugerindo uma parada em Mombasa, mas os sequestradores a consideraram uma armadilha.
Confrontado com a realidade, o piloto fez contato com o controle de tráfego aéreo de Nairobi e declarou o sequestro. Os controladores ficaram perplexos ao ouvir que a intenção dos criminosos era irrealista. Após quatro minutos de silêncio, os sequestradores confirmaram a negação para pousar em Mombasa.
O Desafio ao Controle: Um Pouso Forçado Sob Pressão
Ao perder pressão de combustível, os alarmes começaram a soar na cabine. O primeiro motor apagou-se, e em seguida, o segundo. Abate, com determinação, tentou informar os passageiros sobre a situação crítica, mas os sequestradores proibiram quaisquer anúncios ou ações proativas.
Tentando explorar uma alternativa, Abate redirecionou o voo rumo ao Oceano Índico, mantendo-se à esquerda da costa africana. Como equipamento, ele possuía um atlas que revelou a possibilidade de pousar nas ilhas Comores, que ofereciam uma pista de pouso potencialmente adequada.
Os 30 minutos seguintes foram registrados no gravador de voz da cabine, mostrando um diálogo tenso entre Abate e os sequestradores, que começaram a perder a compostura à medida que a situação se agravava. O comandante repetiu várias vezes a frase “Eu sou um homem morto”, demonstrando a gravidade da situação.
O Pouso no Mar: Um Desafio de Velocidade e Técnica
Diante das ameaças e da deterioração da aeronave, Abate decidiu tentar pousar nas ilhas Comores. Conforme a altitude diminuía, os sequestradores continuavam a interferir, tentando forçar o avião para o mar.
O pouso propriamente dito foi executado a 370 km/h, uma velocidade considerada excessiva para um Boeing 767. A asa esquerda encostou na água antes da fuselagem, o motor esquerdo também bateu, e o avião, ao inclinar-se, atingiu um recife de corais, resultando em um espetacular despedaçamento.
Uma Série de Desafios Pós-Pouso: Comores em Chocante Emergência
Os 175 ocupantes do voo sofreram com as consequências de um pouso forçado improvável. Dos 125 que não resistiram, muitos morreram afogados por estarem presos às cadeiras com coletes salva-vidas inflados, enquanto outros morreram em politraumatismos.
As vítimas foram levadas à praia de Galawa, onde a infraestrutura local foi insuficiente para atender à tragédia. Faltavam leitos hospitalares, locais para guardar corpos e até caixões, forçando a adesão à tradição islâmica de cobrir os corpos apenas com um lençol branco.
Apesar das dificuldades, o piloto Leul Abate e o copiloto Yonas Mekuria, ambos feridos, foram entre os poucos a sobreviverem, juntamente com o casal de diplomatas americanos a bordo. A mesma sorte não ocorreu com o fotógrafo queniano Mohamed Amin, que faleceu no incidente.
Lições para a Aviação: O Impacto do Ethiopian 961
O incidente do Ethiopian Airlines Flight 961 teve implicações significativas para a segurança aérea global. Antes dos ataques de 11 de setembro de 2001, os sequestros de avião eram menos frequentes e os mecanismos de contenção eram mais frágeis.
Os eventos deste voo demonstraram a possibilidade de sequestros suicidas, algo inimaginável antes. Após 1996, houve um impulso na implementação de medidas como portas de cockpit resistentes, controles rigorosos de bagagem e identificação de passageiros.
Além disso, a investigação revelou detalhes chocantes sobre os sequestradores: apenas três passageiros estavam envolvidos, não havia bomba (sendo que o objeto ameaçador era apenas uma garrafa de uísque), e os suspeitos demonstraram conhecimento limitado sobre procedimentos aéreos, sentando-se no assento do copiloto e tentando pilotar a aeronave.
