Em maio de 2025, Amira iniciou uma das jornadas mais perigosas possíveis: uma fuga de zona de guerra no Sudão, grávida de sete meses. Sua cidade, En Nahud, no Estado de Kordofan Ocidental, havia caído nas mãos das Forças de Apoio Rápido (RSF), um grupo paramilitar em conflito com o Exército sudanês.
A decisão arriscada de partir
A fuga de zona de guerra se tornou a única opção viável para Amira. Hospitais e farmácias haviam fechado, e os meios de transporte escasseavam. Além disso, o avanço das milícias aumentava o risco para civis, especialmente para quem, como ela, pertencia a grupos étnicos alvo de perseguição.
Portanto, mesmo com o risco imenso, ela embarcou em um caminhão superlotado com cerca de 80 pessoas. No entanto, o perigo começou logo no início da viagem.
Confrontos e ameaças no trajeto
Segundo relatos de Amira, o motorista do caminhão, ligado à RSF, sacou uma arma ao se envolver em uma briga por assentos. A tensão era tanta que passageiros e familiares do jovem ameaçado imploravam para que ele não atirasse. Felizmente, a situação se acalmou, mas o jovem foi deixado para trás.
Além disso, os veículos que transportavam os refugiados frequentemente quebravam. As estradas estavam em condições precárias, e a falta de combustível e água agravava ainda mais o cenário de desespero.
A pressão étnica e os abusos sistemáticos
Ao longo da rota, Amira testemunhou e sofreu os efeitos da perseguição étnica. Seu marido, embora funcionário público e sem envolvimento com a RSF, pertencia a um grupo considerado inimigo pelos combatentes. Isso bastava para colocá-lo em risco.
Portanto, a família evitou parar por muito tempo em cidades como el-Fula, onde o Exército sudanês atacava civis com base em suspeitas de colaboração com a RSF. A ONU já confirmou relatos de execuções extrajudiciais e perseguições sistemáticas.
Controles ilegais e extorsões em massa
Durante a fuga de zona de guerra, os viajantes enfrentaram postos de controle onde eram obrigados a pagar taxas irregulares. Os próprios motoristas, muitos armados e ligados à RSF, decidiam os preços de forma arbitrária. Além disso, mesmo com escoltas pagas, novas cobranças eram exigidas.
A comida era escassa e cara. A água, racionada. Em certos momentos, os refugiados chegavam a beber de poças. Em um trecho da viagem, um pneu estourou em uma floresta de acácias, e os passageiros ficaram presos por horas. Amira confessou: “Juro por Deus que achei que morreria ali”.
O uso controlado da internet e a constante vigilância
Até mesmo o acesso à internet, por meio de um dispositivo Starlink controlado pela RSF, era perigoso. Qualquer menção ao Exército ou visualização de conteúdo considerado inadequado poderia resultar em prisão imediata.
Apesar disso, Amira conseguiu manter contato com o mundo exterior e documentou boa parte da viagem em um diário de áudio, compartilhado posteriormente com a organização Avaaz.
O fim da jornada e o novo recomeço
Após dias exaustivos, inundações, veículos atolados e inúmeras trocas de transporte, Amira e seu marido chegaram a Juba, capital do Sudão do Sul. De lá, seguiram para Kampala, em Uganda, onde aguardam o nascimento do bebê.
Em segurança, a jovem enfrenta agora uma nova ansiedade: dar à luz longe da família. “Tenho muito medo. É meu primeiro bebê, e não terei minha mãe comigo”, revelou.
Um futuro incerto
Apesar de ativista dos direitos humanos e pró-democracia, Amira não vê futuro no Sudão nos próximos anos. Ela afirma: “Espero que a situação melhore. Mas nada será como antes”.
A fuga de zona de guerra de Amira é um testemunho vívido do sofrimento civil em um dos conflitos mais silenciados do mundo. Sua história é um alerta sobre os riscos enfrentados por mulheres, crianças e civis em geral em zonas de combate.