Imagine aceitar um emprego em um navio cargueiro para uma viagem de três meses e, de repente, encontrar-se presa no mar por seis meses, isolada do mundo em plena pandemia. Esta é a história real de Giulia Baccosi, uma experiência que testou os limites da resiliência humana e redefine o conceito de isolamento.
Uma Decisão de Réveillon que Mudou Tudo
Na véspera de Ano Novo de 2019, Giulia Baccosi, uma jovem italiana de 31 anos, questionava sua decisão de aceitar um emprego convencional na Sicília. Em um momento de dúvida, ela pediu um sinal ao universo. Imediatamente, seu telefone tocou. Uma amiga a informava sobre uma vaga urgente para cozinheira no Avontuur, um navio cargueiro centenário prestes a zarpar da Europa para a América Central. Sem hesitar, Giulia aceitou a proposta, imaginando uma aventura de três meses com desembarque no México. No entanto, o destino tinha outros planos, muito mais longos e complexos.
A Vida a Bordo e o Primeiro Encontro com a Crise Global
O navio partiu da Alemanha em janeiro, e Giulia assumiu a demanda de cozinhar três refeições diárias para uma tripulação faminta. A primeira escala foi em Santa Cruz de Tenerife, nas Ilhas Canárias, onde a equipe, após 36 dias no mar, ansiava por diversão no carnaval local. No entanto, um boato sobre um vírus misterioso que levou à quarentena de hóspedes em um hotel foi o primeiro sinal de que algo errado acontecia em terra. A tripulação, contudo, ignorou o alerta e continuou a viagem.
Um Resgate no Mar e a Realidade da Pandemia
Pouco depois, durante uma manhã tranquila, o vigia noturno avistou uma luz incomum no horizonte. Era um pequeno barco de pesca de madeira, com 16 migrantes à deriva há mais de dez dias, sem água, comida ou combustível. Eles tentavam a perigosa travessia da África Ocidental para as Canárias. A tripulação do Avontuur resgatou-os, ofereceu auxílio e acionou a guarda costeira. Dias depois, um email do proprietário do navio trouxe a notícia que mudaria tudo: o mundo estava entrando em lockdown devido à Covid-19. Portos, aeroportos e fronteiras fechavam globalmente.
O Confinamento no Oceano e a Luta pela Sobrevivência
A partir desse momento, a viagem tornou-se uma provação. O Avontuur navegava sem saber se teria permissão para atracar em qualquer porto. Em Guadalupe, autoridades usando máscaras ordenaram que o navio partisse imediatamente. A tripulação, confinada em um espaço do tamanho de uma quadra de basquete, viu a tensão aumentar enquanto a escassez de suprimentos se tornava uma ameaça real. Giulia, como cozinheira, enfrentou o desafio de racionar alimentos e até mesmo o café, essencial para o moral da equipe. O gás para cozinhar também estava no fim, forçando a criação de uma panela improvisada com uma caixa de madeira e uma esteira de ioga.
Estratégias de Adaptação e Momentos de Beleza
Para combater o tédio e a ansiedade, a tripulação adotou diversas atividades. Eles praticaram artesanato, tocaram instrumentos musicais e até montaram uma rede para natação segura na popa. Além disso, encontraram conforto na beleza do oceano, com visitas de golfinhos, peixes-voadores e até um grupo de baleias minke nadando em águas bioluminescentes. Esses momentos de beleza natural ofereciam uma fuga temporária da realidade caótica do mundo.
O Retorno à Civilização e um Novo Eu
Após meses de incerteza, o navio finalmente atracou em Horta, nos Açores, em junho de 2020. Depois de testes de Covid-19, a tripulação recebeu permissão para desembarcar. Para Giulia, pisar em terra firme e ter a liberdade de escolher para onde andar foi uma experiência emocionante. O retorno final a Hamburgo, na Alemanha, após 188 dias no mar, foi celebrado com lágrimas e alívio. No entanto, Giulia percebeu que não era mais a mesma pessoa. A experiência a transformou profundamente. Hoje, cinco anos depois, ela ainda trabalha no mar, navegando próximo à Groenlândia, sempre buscando sinais do universo para confirmar seu caminho.