Os protestos da geração Z na Ásia têm marcado os últimos meses como um marco na luta contra a corrupção endêmica em diversos países. Em especial, o Nepal, a Indonésia e as Filipinas têm sido palco de manifestações de massa lideradas por jovens que usam a tecnologia como principal aliada de mobilização.
Um estopim digital: corrupção e ostentação
No Nepal, a indignação começou com uma cerimônia de casamento. O jovem ativista Aditya, de 23 anos, descobriu nas redes sociais que a festa de luxo da filha de um político provocara congestionamentos na cidade de Bhaktapur, inclusive bloqueando a principal via da cidade. Embora os fatos não tenham sido confirmados, a imagem de políticos usando recursos públicos para fins pessoais o deixou revoltado. E isso, na verdade, representou a gota d’água.
À medida que mais postagens de figuras públicas e seus filhos — os chamados “nepo babies” — surgiam com demonstrações de riqueza, os jovens passaram a usar plataformas de inteligência artificial para produzir vídeos de denúncia e os compartilhavam em redes sociais como TikTok, ampliando o alcance de suas críticas de forma rápida e eficaz.
Uso de inteligência artificial e mobilização virtual
Aditya, aliado de outros quatro amigos, utilizou ferramentas como ChatGPT, Grok, Veed e DeepSeek para criar dezenas de vídeos de curta duração, com montagens de eventos de luxo de políticos e chamados à ação. O primeiro deles, com a música “The Winner Takes It All” do Abba, viralizou. Em resposta, milhares de jovens foram às ruas em Katmandu, no início de setembro, para protestos anticorrupção. Esses protestos da geração Z na Ásia se mostram intensos e de grande impacto, mas também carregam riscos de escalada de violência, como demonstrado pelos confrontos com a polícia que resultaram em dezenas de mortes.
Além disso, a resposta do governo, que proibiu diversas plataformas de rede social, só aumentou o sentimento de censura. No entanto, a mobilização continuou, com o uso de redes privadas virtuais (VPNs) e de plataformas de comunicação como Discord, onde milhares de jovens planejavam os próximos passos. Portanto, a tecnologia, longe de ser apenas um recurso, tornou-se a espinha dorsal da organização dessas manifestações.
Corrupção, desigualdade e indignação social
No centro das críticas está a percepção de que a corrupção está enraizada no sistema político. Evidências de privilégios de figuras públicas, como viagens ao exterior, auxílios-moradia milionários e bens de luxo, alimentam a insatisfação de jovens que enfrentam uma realidade de escassez de oportunidades e pobreza.
Na Indonésia, a indignação também se manifestou de forma contundente. Manifestantes de dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas da capital, Jakarta, contra cortes de orçamento e benefícios exorbitantes para parlamentares. Hashtags como #IndonesiaGelap e #KaburAjaDulu viralizaram, refletindo o descontentamento de jovens que veem o país estagnado, enquanto os governantes prosperam. Um estudante de 22 anos, Zikri Afdinel Siregar, relatou que a família ganha cerca de 4 milhões de rúpias por mês, enquanto parlamentares recebem 60 milhões de rúpias — cerca de 20 vezes a renda média local. Esse contraste é insustentável, o que alimenta a revolta de jovens como ele.
Além disso, a solidariedade entre os movimentos também é uma característica marcante. Um logotipo de caveira de desenho animado, inicialmente usado por manifestantes indonésios, foi adotado por ativistas de Filipinas e Nepal. A hashtag #SEAblings, uma junção de “Siblings” e “Sudeste Asiático”, também se espalhou pela internet, simbolizando a união de jovens em diferentes países. No entanto, a violência tem sido uma consequência trágica, com dezenas de mortes registradas nos confrontos.
Desafios e o futuro dos movimentos
Apesar de sua força de mobilização, especialistas alertam que a natureza descentralizada dessas manifestações, embora proteja os integrantes de repressões, dificulta a transição de um movimento de rua para a construção de uma agenda política concreta. Steven Feldstein, pesquisador sênior do Carnegie Endowment for International Peace, afirma que a falta de liderança e de estrutura física limita a sustentabilidade de longo prazo. Os protestos da geração Z na Ásia são, portanto, poderosos, mas ainda carecem de uma visão política consolidada para transformar indignação em reforma estrutural.
Por outro lado, a geração de Aditya insiste que a história será diferente. Eles aprenderam com o passado, evitam a idolatria de líderes e apostam em ações coletivas, guiadas por valores democráticos. Ainda assim, a pergunta que paira no ar é: o que vem depois da fúria?
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